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Parecer Jurídico sobre a RESOLUÇÃO CGPAR Nº 52

Parecer Jurídico sobre a resolução CGPAR/ME nº 52

Interessado: Central Única do Trabalhadores – CUT

Referente à análise da RESOLUÇÃO CGPAR Nº 52, publicada no D.O.U. em 26 de abril de 2024.

 

  1. Do objeto

Trata-se de parecer que apresenta opinião jurídica acerca da RESOLUÇÃO CGPAR Nº 52.

  1. Da Fundamentação

 

As entidades sindicais representativas dos trabalhadores em empresas estatais requereram a revogação da Resolução CGPAR/ME nº 42, de 4 de agosto de 2022, devido à interferência nas negociações dos acordos e convenções coletivas. Em resposta, o Poder Executivo publicou em 26.04.2024  a CGPAR nº 52 que estabelece diretrizes e parâmetros para as empresas estatais federais quanto à política de gestão de pessoas e à celebração de acordos coletivos de trabalho e revoga a CGPAR Nº 42 e a Nº 49. 

A nova resolução traz avanços pontuais, como a possibilidade de negociação de adicionais além do mínimo legal permitido, a elevação do percentual de custeio patronal do plano de saúde, a possiblidade de assinatura do ACT sem a chancela da SEST para empresas não dependentes do tesouro e, por fim, amplia a liberdade negocial comparativamente à CGPAR Nº 42.

 Contudo, a nova norma manteve a vedação de concessão, tanto pela via negocial quanto pela via normativa, de empréstimos, licença-prêmio e abono assiduidade, gozo de férias em período superior a trinta dias de trabalho, adicionais por tempo de serviço, incorporação de gratificação de cargo em comissão ou de função gratificada.

A seguir, uma breve análise, artigo por artigo, da Resolução 52.

 A nova Resolução abandona a expressão “parâmetros”, bem como a expressão “adequação” dos regulamentos internos. Passa a estabelecer “diretrizes” para a elaboração da política de gestão de pessoas, seja por intermédio da negociação coletiva, seja pela implementação de regulamentos internos.

Art. 1º Esta Resolução estabelece diretrizes para as empresas estatais federais para a elaboração de sua política de gestão de pessoas e para a concessão de benefícios a seus empregados, por meio de acordos coletivos de trabalho, observadas as instâncias de governança para sua aprovação e resguardados os direitos adquiridos.

O artigo inova ao estabelecer princípios gerais para a condução das políticas de gestão de pessoas e acordos coletivos de trabalho, para que a atuação do Estado como agente econômico esteja alinhada ao cumprimento dos direitos sociais e garantias fundamentais dos trabalhadores.

A norma traz um importante avanço, pois não replica as vedações imposta pela CGPAR Nº 42 que impediam concessão de adicionais de férias, hora-extra, sobreaviso, adicional, noturno, de periculosidade, de insalubridade e aviso-prévio, além do mínimo legal.

Os incisos II e III, em especial, são muito importantes para o avanço de normas coletivas não discriminatórias e inclusivas, o que também poderá impulsionar medidas corretivas na separação entre antigos e novos funcionários para um patamar uniforme de direitos.

Art. 2º A política de gestão de pessoas e os acordos coletivos de trabalho celebrados pelas empresas estatais federais devem se orientar pelas seguintes premissas:

I – autonomia gerencial das empresas estatais;

 II – valorização da força de trabalho como elemento para a implementação das políticas de Estado e diminuição de desigualdades sociais;

III – implementação de estratégias de diversidade, inclusão e equidade de gênero, raça e cultura;

IV – alinhamento à consecução de objetivos de políticas públicas e preservação do interesse público; e

V – defesa dos interesses da União, como acionista.

As análises prévias determinadas pela norma, conquanto compreensíveis, não podem servir como entraves à aprovação de acordos ou convenções coletivas, devendo primar pela transparência, transparência na elaboração e divulgação para as entidades sindicais.

Art. 3º A política de gestão de pessoas e os acordos coletivos de trabalho celebrados pelas empresas estatais federais devem estar alinhados ao plano de negócios, às cartas anuais previstas no art. 8º, incisos I e VIII, da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, às necessidades organizacionais, ao planejamento estratégico e às políticas públicas para o setor de atuação da empresa, devendo ser precedidos por análises que contemplem, no mínimo:

[…]

Quanto ao inciso II do artigo em referência, há que se observar que quando o Estado exerce atividade econômica em sentido estrito, atua em pé de igualdade com a atividade privada, de acordo com o art. 173, § 1º CF 88.  Todavia, essa premissa não permite a adoção de parâmetros idênticos para o tratamento das relações trabalhistas, haja vista que segundo Cheibub “desenvolveu-se e generalizou-se também a ideia de que o Estado deveria ser um empregador modelo, adiantando-se ao setor privado na aplicação dos direitos trabalhistas como meio de sinalizar para esse setor formas de relações de trabalho mais avançadas do ponto de vista social.” [1]

Sendo assim, não é possível conceber que o setor privado seja parâmetro exato e único para permitir a implementação de melhorias, via acordo coletivo ou normativa interna.

II – indicação da compatibilidade das políticas de pessoal e benefícios com o praticado pelo setor privado em setores e empresas de mesmo porte e complexidade;

 

Foram acrescidos os § 1º e 2º cujos temas remetem aos procedimentos prévios que deverão ser tomados pelo Comitê de Auditoria e pela Área de Gestão Interna das empresas para subsidiar o Conselho de Administração ou da instância administrativa que estatutariamente esteja incumbida da anuência dos acordos coletivos e instrumentos de política de gestão de pessoas

I – a exposição de riscos da empresa estatal decorrentes do acordo coletivo ou política de gestão de pessoas;

II – a razoabilidade dos parâmetros em que se fundamentam as projeções econômicas que definiram as referências negociais; e

III – o impacto sobre a solvência, a liquidez e o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial dos planos de benefícios de assistência a saúde e de previdência complementar que a empresa patrocina.

 

  • 2º À área de integridade e de gestão de riscos incumbirá manifestação anual sobre o risco da empresa com a evolução dos benefícios a empregados pelos instrumentos de concessões dos benefícios e acordos coletivos de trabalho, principalmente quanto ao impacto sobre a solvência, a liquidez e o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial dos planos de benefícios de previdência complementar e impacto no pós-emprego dos planos de previdência complementar patrocinado e, quando couber, de plano de saúde.

A CGPAR n° 52 insere um capítulo específico contendo as diretrizes para o encaminhamento dos acordos coletivos, indicando, como regra geral, a submissão prévia dos acordos e convenções coletivas à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. Não havia norma correspondente na CGPAR N° 42.

Art. 4º As propostas de acordos coletivos de trabalho deverão ser encaminhadas pelos Ministérios setoriais à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais para manifestação, previamente à celebração.

Excepcionalmente, a norma dispensa o encaminhamento prévio dos acordos e convenções coletivas para a SEST, somente quanto às empresas não dependentes, o que, sem dúvidas, significa uma alteração positiva. Porém, quanto às empresas dependentes, a autonomia negocial e a liberdade sindical continuam mitigadas, haja vista que estão sujeitas à regra geral do art. 4º.

Art. 5º Fica dispensada a manifestação prévia da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, de que trata o art. 4º, sobre os acordos coletivos de trabalho das empresas estatais federais não dependentes que, cumulativamente […].

 

Sobre o  § 1º do artigo, convém ressaltar que a apresentação da listagem anual também prezar pela efetiva transparência, uma vez que a exclusão ou não inclusão de determinada empresa impacta na autonomia negocial, conforme justificativas feitas ao art. 5º caput.

  • 1º A Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais publicará, anualmente, a relação das empresas estatais que se enquadrem no disposto no caput.

O § 2º do artigo destoa do caput uma vez que reforça a ingerência da SEST sobre as negociações coletivas em detrimento do respeito à liberdade sindical e à autonomia negocial que a norma aparentemente pretende informar.

  • 2º Caberá à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais a manifestação sobre o acordo coletivo de trabalho celebrado na forma deste artigo e recomendar, a qualquer tempo, a adoção de medidas saneadoras, a revisão da concessão de benefícios, além de determinar a necessidade de sua manifestação prévia para a celebração do acordo coletivo nos exercícios posteriores.

     



O artigo representa a continuidade dos efeitos negativos da CGPAR 42 por estabelecer limites sobre a livre negociação coletiva e, consequentemente, a melhoria das condições de trabalho nas empresas estatais, fazendo exigência, nesse caso, de manifestação prévia da Secretaria, em especial para a concessão de benefícios não previstos em acordos ou convenções coletivas anteriormente.

A exceção é o inciso VII que melhora a proporção de custeio (de 50% para 70%) do plano de saúde em benefício do empregado, permitindo que a empresa possa custear mais que o empregado. Para algumas empresas como a CAIXA, a nova norma não proporcionará alteração, haja vista que o ACT da categoria já superava o limite de 50% imposto pela CGPAR Nº 42.[2]

Art. 6º Independentemente do disposto no art. 5°, é necessária a manifestação prévia da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais para a concessão de benefício que verse sobre:

I – redução de jornada sem redução de salário;

II – alteração e instituição de plano de cargos e salários;

III – instituição de programa de desligamento voluntário;

IV – instituição de regras diferenciadas de promoção e progressão de carreira;

V – criação de escala de revezamento distinta das previstas em legislação ordinária;

VI – instituição de quaisquer benefícios além dos previstos nos acordos coletivos de trabalho e instrumentos de gestão de pessoas em vigor na data de publicação desta Resolução; e

VII – participação da empresa estatal federal no custeio de planos de saúde, que não poderá exceder a 70% (setenta por cento) da despesa.



O artigo 7º é reprodução do artigo 3º da CGPAR 42, acrescido do item “adicionais por tempo de serviço” que estava igualmente vedado no artigo 4º, quando se proibiu o anuênio, admitindo-se quinquênios. Destaca-se que a referida norma está em descompasso o art. 7º XXVI da Constituição Federal que preconiza o respeito aos acordos e convenções coletivas, bem como o art. 8º caput que contempla a liberdade sindical, nela inserida, a liberdade de negociar sem a ingerência ilimitada do Estado.

A previsão de vedação à incorporação da gratificação de função do inciso II não pode alcançar as empresas que detém (ou detinham) normativo interno regulando o respectivo direito, pois tais regras integram o contrato de trabalho dos empregados ativos durante a vigência da norma (art. 468, caput da CLT).

Art. 7º Ficam vedadas as seguintes práticas pelas empresas estatais federais:

I – a concessão de:

  1. a) empréstimo pecuniário a empregados a qualquer título;
  2. b) licença-prêmio e abono assiduidade;
  3. c) gozo de férias em período superior a trinta dias por ano trabalhado;
  4. d) adicionais por tempo de serviço; e

II – a incorporação de gratificação de cargo em comissão ou de função gratificada

O art. 8º é a reprodução do artigo 5º da Resolução CGPAR 42, mantendo a limitação em 1% da folha salarial para a concessão de promoções por antiguidade e merecimento, o que tambem pode impactar negativamente os critérios de promoção já assegurados em normativos internos.

Art. 8º O impacto anual com as promoções por antiguidade e por merecimento deverá ser limitado a um por cento da folha salarial

 

A norma faz referência ao artigo 3º que trata da necessidade de apresentação de dados analíticos sobre as empresas. Nesse sentido, reafirma-se a necessidade de critérios de transparência na consolidação e na apresentação dos dados para as entidades sindicais.

Art. 9º. As avaliações de que trata o art. 3º devem ser conciliadas com outros relatórios financeiros gerados pela empresa estatal federal, e formalizadas anualmente em documento apresentado ao Conselho Fiscal e submetido à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais para apreciação e providências cabíveis, no âmbito de suas competências.

 10 da CGPAR Nº 52

Na prática, a alteração é benéfica, sendo, portanto, um avanço na medida em que as empresas não poderão mais argumentar pela exclusão de cláusulas que já constam historicamente nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), ao fundamento de que contrariam a Resolução n. 52.

No entanto, da redação, extrai-se que a autorização é apenas para “reproduzir” a literalidade da norma anterior, sem mencionar vantagens adicionais ou melhoria nas cláusulas anteriormente estipuladas. O dispositivo, no entanto, deverá ser interpretado de modo sistemático com toda a resolução. Ou seja, caso alguma cláusula literalmente reproduzida venha a ser objeto de negociação para concessão adicional, deverá observar as diretrizes traçadas na resolução.

 

Art. 10. As cláusulas dos acordos coletivos de trabalho em vigor na data de publicação desta Resolução poderão ser reproduzidas literalmente nos novos acordos coletivos de trabalho firmados entre as mesmas partes, ainda que prevejam condições diversas daquelas estabelecidas nesta Resolução. 

11

A norma inova ao fazer referência expressa à possibilidade de normatização complementar. 

Art. 11. Fica autorizada a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais a editar normas complementares a esta Resolução. 

12

Trata-se de norma que estabelece a necessidade de acompanhamento por parte das empresas quanto à implementação da nova Resolução.

Art. 12. A Auditoria Interna e demais instâncias de governança das empresas estatais federais deverão acompanhar a verificação da observância do disposto nesta Resolução. 

13

A norma confere prazo para a implementação da Resolução e ressalta aplicabilidade imediata, inclusive, para as negociações em curso.

Art. 13. Os administradores das empresas estatais federais deverão adotar as providências cabíveis para incorporar, até 30 de novembro de 2024, o disposto nesta Resolução nos estatutos ou em normas internas da empresa, sem prejuízo de sua aplicação imediata às negociações coletivas em curso.

14

A norma revoga expressamente a CGPAR Nº 42 e a Nº 49. 

Art. 14. Ficam revogadas: 

I – a Resolução CGPAR nº 42, de 4 de agosto de 2022; e 

II – a Resolução CGPAR nº 49, de 26 de setembro de 2023. 

 

  • Conclusão

 

Após a análise integral da CGPAR  Nº 52, é possível afirmar que houve significativos avanços nas diretrizes que recaem sobre as negociações e acordos coletivos das empresas estatais, em especial, um aumento da autonomia negocial das empresas, embora ainda permaneçam as limitações que foram apontadas.

[1] CHEIBUB. Zairo B. Negociação coletiva no setor público: experiências internacionais recentes por meio de análise da literatura. Disponível emhttps://repositorio.enap.gov.br/jspui/bitstream/1/711/1/Negocia%C3%A7%C3%A3o%20coletiva%20no%20setor%20p%C3%BAblico.pdf

https://www.apcefsp.org.br/noticias/resolucao-52-da-cgpar-nao-traz-avancos-para-o-saude-caixa-entenda. Acesso em: 26 fev. 2024

[2] APCEFSP. Disponível em: https://www.apcefsp.org.br/noticias/resolucao-52-da-cgpar-nao-traz-avancos-para-o-saude-caixa-entenda Acesso em: 26 fev. 2024.

Brasília, 03 de maio de 2024.

José Eymard Loguercio

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eymard@lbs.adv.br

Meilliane Pinheiro Vilar Lima

Sócia da LBS Advogados
E-mail: meilliane.lima@lbs.adv.br

Paulo Roberto Alves da Silva

Sócio da LBS Advogados
E-mail: paulo.silva@lbs.adv.br

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